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1 de abril de 2023
Os dois meninos
Por Bruna de Souza
Era final da tarde e as crianças brincavam no meio da rua jogando bola. Aquela era uma cidade pequena e tranquila, lá as crianças brincavam de ser criança de verdade. Naquela rua elas se sujavam, tomavam banho de chuva, caíam e se ralavam.
No mesmo momento, em uma cidade grande, em algum lugar, uma criança estava deitada na sua cama, sozinha, com o seu celular. Aquela criança da mesma idade da outra nunca havia se machucado, às vezes acabava, no máximo, pegando um resfriado. Pra ela tudo se resumia à frieza da tela e em muitos momentos se irritava ou dava risada sozinha. Ficar sem o celular já lhe causava ansiedade, de um jeito que, esquecendo o aparelho em casa, tinham que voltar antes da gritaria.
Há alguns dias o menino do prédio de 32 andares começou a sentir tristeza. A tristeza ia e vinha sem marcar hora, mas começou a ficar mais frequente nos últimos dias, dias que pareciam todos iguais. Sua mãe era advogada e seu pai, médico. Eles viviam cheios de trabalho, mas lhe davam os brinquedos mais caros, aqueles que de acordo com os filmes do cinema, iam sendo lançados. Mas conforme a tristeza vinha visitá-lo, o menino olhava para os seus brinquedos e deixava de enxergar, ele não via mais as cores e tinha esquecido das formas de brincar. Com isso, ele acabava sempre no celular. Os mesmos jogos de ação e muito tempo assistindo tutoriais de como alcançar uma melhor colocação.
Sua mãe dizia: Menino, você tem que parar de comer porcaria. Ele até entendia, mas várias vezes `ss 19hs, quando ela aparecia, também triste, também estressada, trazia consigo Mc Donalds, chocolate e pirulito. Nessa hora ele saía do celular e os dois sentavam em frente à tv. Ficavam ali assistindo algum programa e comendo porcaria, por que naquela hora, parecia que podia.
Enquanto isso a versão mais pobre de um menino de 10 anos de idade, estava entrando chorando pra dentro de casa por que caiu outra vez de bicicleta. A mãe estava cozinhando o jantar, porque o dinheiro não dava para comprar fast food ou chocolate. Então ela fazia arroz e feijão, com ovo e salada de agrião. A família não tinha dinheiro pra comprar muito remédio, então acompanhando o joelho ralado, vinha um beijo estalado e um vá direto pro banho, você já entrou atrasado.
Depois do banho sentaram na mesa que eles comiam, no sofá de dois lugares amontoavam-se, um pai, uma mãe e mais 3 crianças. Era naquela hora que todos contavam o seu dia. O pai reclamava do colega de trabalho e a mãe dizia que ruim mesmo era o mau humor do seu patrão, que logo cedo, já a enchia de função que nem condiziam com a sua profissão. Mas nessa hora também, a irmã de 2 anos atrapalhava a conversa tentando falar algo novo, era 2 segundos pra arrancar a gargalhada de todo o povo.
Ali naquela casa, as crianças eram acostumadas a ouvir “não”, também existiam muitas regras para que tudo funcionasse com exatidão, mas ao contrário do que muitos achavam, ninguém ali era triste não. Se pudermos comparar os dois meninos, dá até um aperto no coração. O que vale mais: O dinheiro, a falta de tempo e a solidão? Ou a vida simples da família, que para muitos é chamada de “sem condição”.
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