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Notícias

13 de março de 2023

Por que feijão está sumindo do prato dos brasileiros

Os brasileiros estão perdendo o hábito de comer feijão diariamente, em meio a mudanças culturais, avanço dos alimentos ultraprocessados e aumento de preços do produto.

Seguindo a tendência dos últimos anos, o feijão deixará de ser consumido de forma regular – de 5 a 7 dias na semana – em 2025, conforme estudo do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A partir daquele ano, a maior parte dos brasileiros passará a comer o alimento símbolo nacional com frequência considerada irregular (1 a 4 dias), de acordo com a pesquisa.

A perda de espaço do feijão no prato nacional, e sua substituição por alternativas menos saudáveis, tem consequências para a segurança alimentar e para a saúde da população.

Segundo o levantamento da UFMG, não consumir feijão está associado a uma chance 10% maior de desenvolver excesso de peso e 20% maior de obesidade, em relação à parcela da população que consome o produto com alguma frequência.

A importância histórica, nutricional e social do feijão

—O feijão surgiu de uma miscigenação das nossas heranças culinárias—, observa a nutricionista Fernanda Serra Granado, que pesquisou o tema em seu doutorado na UFMG.

Segundo ela, a leguminosa já era um alimento nativo na América, conhecido pelos indígenas, que consumiam os grãos sem caldo, mesmo antes da colonização portuguesa.

Os portugueses acrescentaram o caldo, uma solução encontrada pelas senhoras europeias para umedecer a comida nativa, que elas consideravam muito seca. Trazidos ao Brasil escravizados, os africanos também consumiam o alimento, adicionando seus saberes ao preparo.

Mas a construção do feijão como um símbolo nacional só vai acontecer bem mais para frente, durante o Modernismo Brasileiro dos anos 1920.

—Aí ele é expresso em poesia, em músicas e é reconhecido como esse símbolo identitário da nossa tradição culinária—, diz Granado.

Em termos nutricionais, o feijão é rico em proteínas e minerais, incluindo o ferro, além das vitaminas C e do complexo B (à exceção da B12, de origem animal) e fibras solúveis e insolúveis, importantes para o bom funcionamento da digestão.

—Além de ter um excelente perfil nutritivo e ser importante para manutenção da saúde da população, o feijão é um marcador de qualidade da dieta—, afirma a pesquisadora.

—Isso porque o indivíduo, quando consome feijão, acaba complementando o prato com outros alimentos saudáveis, como arroz, vegetais, salada e uma proteína animal. Então, em geral, o feijão é um dos componentes de uma refeição nutricionalmente equilibrada.

Além da tradição histórica e do valor nutricional, a pesquisadora destaca a importância social do feijão na dieta brasileira.

—O feijão é um elemento de segurança alimentar e nutricional, porque a alimentação saudável é um direito da população, previsto na Constituição—, observa a nutricionista.

O cumprimento desse direito implica no acesso a alimentos saudáveis, de forma permanente, regular, em quantidade suficiente, sem que isso comprometa outras necessidades essenciais da vida, como moradia, vestuário, entre outras.

—Por ser um alimento saudável e acessível, o feijão é um elemento importante em termos sociais para garantia da segurança alimentar e nutricional—, conclui Granado.

Quadro 'Colheita de Feijão' de Cândido Portinari, 1957
Construção do feijão como símbolo nacional acontece no Modernismo dos anos 1920. Na imagem, o quadro 'Colheita de Feijão' de Cândido Portinari (1957)

Como foi feito o estudo da UFMG

Para analisar a evolução do consumo de feijão nos últimos anos no Brasil, a pesquisadora usou dados do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), pesquisa feita anualmente por telefone pelo Ministério da Saúde.

—A POF [Pesquisa de Orçamentos Familiares] do IBGE de 2017 já mostrava uma redução de 7% na participação dos alimentos in natura no consumo dos brasileiros. Ao mesmo tempo, mostrava um aumento de 46% nos ultraprocessados, em relação a 2002—, observa Granado.

—Foi isso que me instigou a investigar a tendência no consumo do feijão—, explica.

Analisando dados do Vigitel de mais de 500 mil adultos entre 2007 e 2017, a pesquisadora observou uma tendência de queda do consumo da leguminosa entre 2012 e 2017. A redução aconteceu entre homens e mulheres, de todas as faixas etárias.

A partir da observação do passado, ela então utilizou métodos estatísticos para projetar o que deve acontecer à frente, até 2030.

—Para nossa surpresa, vimos essa inversão em 2025, quando o consumo regular, de 5 a 7 dias por semana, vai perder prevalência para o consumo não regular, de 1 a 4 dias—, diz Granado.

—Entre as mulheres, a estimativa é de que essa mudança já tenha acontecido no ano passado [em 2022], e para os homens, vai acontecer em 2029—, detalha a especialista.

O que explica a queda de consumo nos últimos anos

Mudanças culturais e o avanço dos ultraprocessados – alimentos calóricos e de baixo valor nutricional – estão no centro da redução do consumo de feijão, segundo a pesquisadora.

—Na década de 1980, há a entrada das grandes transnacionais de alimentos no Brasil e o avanço da participação das mulheres no mercado de trabalho, o que causa uma modificação no perfil de consumo da população, com os ultraprocessados sendo percebidos como uma solução prática para o dia a dia—, observa a nutricionista.

—Com o passar do tempo, há também uma perda de práticas culinárias, da habilidade em si de preparar os alimentos, com a tradição de receitas que passavam entre gerações que começa a se perder

Um terceiro fator que pesa na redução de consumo do feijão é o aumento de preços do produto, observa a especialista.

Em 11 anos, entre janeiro de 2012 e janeiro de 2023, o feijão carioca acumula alta de preços de 122% e o feijão preto, de 186%, comparado a uma inflação geral de 89% no período, segundo o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Ou seja, em pouco mais de uma década, o feijão carioca dobrou de preço e o feijão preto, quase triplicou.

Um dos fatores que explica esse encarecimento é a perda de espaço da produção agrícola de feijão para commodities como a soja e o milho, explica Granado.

Fonte: BBC Brasil

Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c90935j2k8go

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